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Economia Leitura de Mercado

30/06/2022

Governo atua para diminuir inflação, mas não necessariamente diminuir a desigualdade, diz economista

Entenda quais fatores influenciam a inflação brasileira e o que está em jogo para contê-la

Naiara Albuquerque
Jornalista na VERT Capital

Economista da FGV/Ibre e mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), André Braz pertence ao staff do Índice de Preços ao Consumidor desde 1989, onde trabalha como analista de inflação. Em entrevista à VERT, Braz critica as ferramentas utilizadas pelo governo federal como tentativa de conter a inflação, além de analisar o impacto da Guerra da Ucrânia no indicador. Segundo ele, “o governo atua para diminuir a inflação, mas não para necessariamente diminuir a desigualdade”, afirma.

Em meados de junho, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, passando de 12,75% para 13,25% ao ano. Diante disso, a taxa básica de juros atingiu o seu maior patamar desde janeiro de 2017. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), calculado pelo IBGE, subiu 0,69% em junho.

Quais fatores influenciam a inflação brasileira?

Temos o clima político no Brasil, dado que as eleições estão aí. O juros americano subindo, o que também é um desafio para países de terceiro mundo. E a covid-19 na Ásia. Todos esses fatores acabam mexendo com a economia no mundo. Quanto maior a vulnerabilidade do país mais exposto ele está para esses fatores. Então uma parte dos desafios agora tem a ver com o preço dos combustíveis. O próprio governo federal vem correndo atrás de uma forma para controlar o peso dos combustíveis na inflação. A gasolina por exemplo pesa mais de 6% no orçamento familiar — não que a gasolina seja um bem de primeira necessidade, ela é mais para a classe média e alta. O efeito indireto da gasolina é pequeno porque ela movimenta mais carros de passeio.

 

A nossa moeda está muito instável. O real recentemente já bateu abaixo dos R$ 5 e agora já está em torno de R$ 5,20. Uma parte dessa oscilação é que a Selic aqui que anda muito alta - assim como em outras partes do globo, como os EUA, que vem tentando baixar sua inflação.

A desvalorização da nossa moeda ajuda a espalhar a inflação porque ora a gente compra produtos internacionais mais caros, ora também exportamos demais. A medida que nossa moeda desvaloriza é como se o produto brasileiro estivesse em promoção. E mesmo que por um lado seja bom exportar, atrai divisas para nossa balança comercial, mas se torna um desafio para a inflação por meio da oferta. Todas essas instabilidades concorrem para isso.

A guerra na Ucrânia continua impactando os combustíveis, mas também o mercado de grãos — uma vez que Ucrânia e Rússia são grandes produtores de trigo. E a gente já vê toda a família do trigo: farinha, biscoito, macarrão e pão francês subindo muito.

E também temos a questão relacionada ao aumento de juros e como isso penaliza a retomada da nossa atividade. A gente sabe que mexer com o juros é uma das principais ferramentas para conter a inflação, mas também sabemos que todo remédio tem um efeito colateral. E nesse caso está no crescimento da atividade econômica e no mercado de trabalho. Quanto maior o juro, maior será a dificuldade da gente gerar emprego e renda. A mensagem com o aumento de juros é "não consuma agora". Isso, a pessoa física e jurídica vão fazer, por isso o maior interesse por renda fixa. E à medida que o juro sobe ele também concorre com a bolsa de valores, porque fica mais fácil ganhar dinheiro sem ganhar tanto risco.

Nesse sentido, o setor privado pode perder fôlego em investimentos em suas próprias atividades. Se por um lado ficou mais caro ganhar dinheiro no mercado, por outro também ficou complicado de captar dinheiro na bolsa.

O governo atua para diminuir a inflação mas não para necessariamente diminuir a desigualdade. A inflação da gasolina é importante para o IPCA, mas não é importante para as famílias de baixa renda.

Falamos consideravelmente sobre a gasolina, mas e o diesel? Há, inclusive, um cenário para o segundo semestre com uma possível paralisação dos caminhoneiros. Como isso influencia a inflação?

Em um cenário de paralisação dos caminhoneiros há um efeito enorme para a inflação. Na greve que aconteceu há alguns anos nós vimos o efeito que isso teve. Começou a gerar desabastecimento. Então o preço de vários produtos pode subir, justamente pela lei da oferta e da procura - se tá faltando o preço sobe, onde tem o produto ele será vendido mais caro. E isso se apresenta como mais um desafio para 2022. Mas mesmo com uma greve vejo que os efeitos seriam temporários; Não seria uma tensão de longo prazo. Por isso que o governo está correndo para aprovar uma PEC - com a possibilidade dos voucher para caminhoneiros chegar a até R$ 1000. O que pode adiar a paralisação nesse sentido.

No caso brasileiro, estamos falando mais de uma greve econômica do que política? Ou seria ambos?

Seria um pouco dos dois porque aqui no Brasil estamos nesse ano eleitoral. E os interesses políticos nem sempre casam com os efeitos econômicos. Inflação alta nunca é bem vista por um político que está na posição de chefe de estado. Então quanto mais rápido essa inflação for contida, isso melhora a imagem de quem está concorrendo à eleição. Agora, o que tem sido feito para conter a inflação é atuar em cima da gasolina, por exemplo. O problema é que o benefício social dessas mudanças é questionável. A gasolina não tem o peso que o diesel tem. O diesel tem a contribuição de fazer com que um ônibus urbano fique mais barato, o frete ficar mais barato, a geração de energia ficar mais barata. O efeito indireto do diesel é grande. Ele atinge todas as camadas sociais, agora o efeito da gasolina não. E mesmo para que essa gasolina fique mais barata existe uma renúncia fiscal. Então essa renúncia fiscal vai diminuir os investimentos em Saúde e Educação, que é exatamente onde a gente deveria investir para diminuir a desigualdade. Temos um Ensino Público que vem sofrendo por décadas e a gente enfrenta um período difícil do qual uma renúncia fiscal vai resultar em perda de investimentos nessa área, que é tão importante para o país. Isso acaba preocupando porque condena o país a baixas taxas de crescimento por mais tempo. E PIB pequeno não é só um número, mas isso significa menor renda e menor nível de emprego para a população.

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Como funciona o IPCA, referência do regime de metas para a inflação brasileira

E também de maior endividamento do Estado.

Claro, e dessa forma o Estado para de investir em segmentos que são estratégicos para a retomada do país. A gente pode economizar em tudo, mas não podemos economizar em Saúde e Educação. E Educação é a forma de diminuir essas desigualdades. Para quem a gente quer fazer política? Para maioria ou para aqueles que têm fôlego para financiar candidaturas? Essa é uma escolha que a sociedade tem que fazer.

Há algumas análises que apontam que as medidas do governo federal e do Congresso Nacional para zerar impostos e tributos federais sobre combustíveis até o fim deste ano podem até conter a inflação em 2022, mas devem pressionar os preços em 2023. Você concorda com essa visão?

Não dá para mascarar a realidade dos fatos. Se você tá com uma crise de oferta, com uma situação atípica como uma guerra, os preços vão ficar mais caros e ponto final. O que temos que fazer é promover os repasses e proteger alguns setores que são estratégicos para o desenvolvimento do país e fazer política para setores que não podem ser vulnerabilizados por uma questão como essa. Tratar para que tenhamos investimento para o setor agrícola, Saúde e Educação. O resto fica para depois. E essas priorizações podem vir através de redução de imposto, mas também a gente pode aumentar imposto de outros que podem pagar mais. Alimentos básicos para a cesta básica poderiam ter seus impostos reduzidos, mas por que isso não faz parte da pauta da corrida eleitoral? Porque reduzir imposto de arroz e feijão não vai garantir necessariamente que essa inflação se reduza mais rapidamente. Então, o que faz a inflação reduzir rapidamente? Aquilo que tem muito peso no índice da população toda, mas que não representa a maioria da população, que são os mais pobres.

Hashtags: inflação, economia, taxa de juros, Selic

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